quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

RETALHOS






Antoni Tàpies
(1923 - 2012)


Retalhos incolores de uma peça
que sempre foi usada desmedida;
roídos pelo tempo e pela traça
retalhos são pedaços de uma vida.

São cordas que partiram da viola
sem nunca afinar pelo meu canto;
são rolas torturadas na gaiola
donde fugiram lívidas de espanto.

São fios de uma estranha narrativa
que não pude assinar de não ser minha
pecando folha a folha por defeito.

Só por excesso escrevo à luz do dia
de própria mão com tinta genuina
e nem assim o texto sai perfeito.

Abel da Cunha


1 comentário:

Frassino Machado disse...

Estimado irmão, este teu soneto - que admiro pelo seu simbólico realismo sentimental - fez-me vir à memória indissoluvelmente a minha lembrança da tragédia de uma certa manhã de 16 de Junho de 1954... A grande "abelha-mestra" da conhecida fábrica de tecidos da Beira, sucumbiu na sua laboriosa tarefa de vistoria de produção, em que um perdido e defeituoso retalho, misturado com os bem amanhados, foi a causa próxima da fractura de uma vida abnegada e generosa. Belo o soneto, cheio de ternura e inspiração. Um abraço amigo do teu irmão poeta Frassino Machado