sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O BURRINHO PEDRÊS













SETE-DE-OUROS
 

Mudo e mouco vai Sete-de-Ouros, no seu passo curto de introvertido, pondo, com precisão milimétrica, no rasto das patas da frente as mimosas patas de trás.

- Escuta uma pergunta séria, meu compadre João Manico: você acha que burro é burro?

- Seô Major meu compadre, isso até é que eu não acho, não. Sei que eles são ladinos de mais…

Bem que Sete-de-Ouros se inventa, sempre no seu. Não a praça larga do claro, nem o cavouco do sono: só um remanso, pouso de pausa, com as pestanas meando os olhos, o mundo de fora feito um sossêgo, coado na quase-sombra, e, de dentro, funda certeza viva, subida de raiz; com as orelhas - espelhos da alma – tremulando, tais ponteiros de quadrante, aos episódios para a estrada, pela ponte nebulosa por onde os burrinhos sabem ir, qual a qual, sem conversa, sem perguntas, cada um no seu lugar, devagar, por todos os séculos e seculórios, mansamente amém.

 
João Guimarães Rosa
O Burrinho Pedrês, in Sagarana

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

NATAL














Natal fora da casa de meu pai,
Longe da manjedoira onde nasci.
Neve branca também, mas que não cai
Na telha vã da infância que perdi.
 
Filosofias sobre a eternidade;
Lareiras de salão, civilizadas;
E eu a tremer de frio e de saudade
Por memórias em mim quase apagadas...
 
 
MIGUEL TORGA
São Martinho de Anta 1907
Coimbra 1995

domingo, 16 de dezembro de 2012

DESTINO DE POETA









OCTÁVIO PAZ
Prémio Nobel de Literatura 1990
Cidade do México 1914-1998
 
 
 
Palavras? Sim, de ar,
   e no ar perdidas.
   Deixa-me perder entre palavras,
   deixa-me ser o ar nuns lábios,
   um sopro vagabundo sem contornos
   que o ar desvanece.
 
   Também a luz em si mesma se perde.
 
 
   Octávio Paz
   Trad. Luís Pignatelli

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

NA FÁBRICA




 


O Tecelão
Van Gogh

Ao poeta Frassino Machado

   

Meu berço foi um cesto vindimeiro
ao pé duma urdideira que tocava
   a mãe rodando teias. No terreiro
   voavam pombas e um cão ladrava.
 
   Na fábrica em trabalhos ruidosos
   usavam-se teares de chumbaria
   que tecelões alçavam poderosos
   batendo lançadeiras com mestria.
 
   Chegavam provisões de novos fardos
   de algodão do Egito ou doutros lados
   alimentando as teias e os teares.
 
   Duas irmãs encarretavam tudo
   graciosamente à espera do futuro
   como Penélopes sonhando mares.
 
   Abel da Cunha
 


 
 
 
 
 
 
Tear Jacquard
com cartões e chumbaria

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

RETALHOS






Antoni Tàpies
(1923 - 2012)


Retalhos incolores de uma peça
que sempre foi usada desmedida;
roídos pelo tempo e pela traça
retalhos são pedaços de uma vida.

São cordas que partiram da viola
sem nunca afinar pelo meu canto;
são rolas torturadas na gaiola
donde fugiram lívidas de espanto.

São fios de uma estranha narrativa
que não pude assinar de não ser minha
pecando folha a folha por defeito.

Só por excesso escrevo à luz do dia
de própria mão com tinta genuina
e nem assim o texto sai perfeito.

Abel da Cunha


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

SCHERZO










Hesíodo e a Musa
Gustave Moreau

 
Quando, ainda jovem, comecei
a submeter-me à disciplina das Musas,
   uma delas tomou-me pela mão
   e, depois, todo aquele dia
   andei com ela às voltas
   a ver a oficina.
   Mostrou-me, uma a uma,
   as ferramentas da arte
   e os diversos usos
   a que cada uma delas
   se ajusta no trabalho
   da prosa e da poesia.
   Eu olhava e perguntava:
   Musa, onde está a lima? Disse a Deusa:
   a lima gastou-se; agora passamos sem ela.
   E eu acrescentei: mas, se ela está gasta,
   não é preciso substituí-la?
   Respondeu-me: é preciso substituí-la, mas não temos tempo.
 
   Giacomo Leopardi
    Canto XXXVI - Trad. Albano Martins

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

EVERMORE (Para Florbela)













Ao ler um dia versos de Florbela,
entrou na minha sala uma andorinha;
trazia o peito branco como ela,
e, como ela, asas negras tinha.

Não era o corvo no umbral da porta,
dizendo "nunca mais" - o seu refrão -
ao jovem que chorava a noiva morta,
a quem tivera entregue o coração.

Brilhava nela o sol da primavera
com sua claridade branda e pura.
Dizia "sempre mais", ficando à espera
que terminasse o encanto da leitura.

Depois esvoaçou, tomou alento,
e foi perdidamente com o vento.

Abel da Cunha

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

CORAÇÃO








Rosa Ramalho
Cristo em terracota



Preguei numa moldura o coração
e pendurei-o na parede. Ao lado,
um Cristo em terracota. Devoção
de alguém que ali o pôs crucificado.

Mas não ganhei com isso a remissão
das penas que trazia do passado.
O peito ficou oco, e a razão
com um discurso frio e transtornado.

Retive o coração no seu lugar.
Sei que tem erros, mágoas no sentir,
como tem a razão no seu pensar.

Chego à janela, abro e vejo rosas.
E o Cristo em terracota a refulgir
com cinco chagas rubras preciosas.

Abel da Cunha

terça-feira, 23 de outubro de 2012

PRESÉPIO







Presépio
Machado de Castro


Sinto nas mãos o musgo do presépio
que levantei no átrio do Convento;
de São Francisco imitei o afecto
ao celebrar o santo nascimento.

Dei muitos passos pelo monte acima
colhendo tufos verdes sem descanso;
cantava no moinho a pucarinha
enquanto ao fundo ia o Sizandro.

Não tive mais no tempo igual cuidado.
Hoje encontrei pedaços desse barro
que recriou perfeito o auto mudo.

Tirei do pó a vaca e as ovelhas,
pastores, anjos, magos e as estrelas.
Mas onde o sonho que animava tudo?

Abel da Cunha

domingo, 21 de outubro de 2012

OS GATOS






Manuel António Pina
Sabugal 1943 - Porto 2012


Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos

Manuel António Pina
in Como se desenha uma casa


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

AMÁLIA







 
 
 
 
 
 

Amália
Lisboa, 1920-1999
 
 
no barco negro em que vogaste
pela fímbria do mar da tua voz
abriste uma vela e desfraldaste
a saudade toda que há em nós.
 
deste-nos, em fado, essa tristeza
feita só de sombras e ternura,
onde morava o espinho da incerteza,
cravado na seda da amargura.
 
de olhos fechados foi que procuraste
o acorde final, aquele que não mente,
por ser essência eterna da canção.
 
uma guitarra ferida nos deixaste
companheira dessa voz gemente,
xaile do teu rebelde coração.
 
 
Adalberto Alves
in No Vértice da Noite


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

FIM DA TORMENTA












Parou a ventania.
As estrelas dormentes, fatigadas,
Cerram à luz do dia
As misteriosas pálpebras doiradas.

Vai despontando o rosicler da aurora;
O azul sereno e vasto
Empalidece e cora,
Como se Deus lhe desse
Um brando beijo luminoso e casto.

A estrela da manhã
Na altura resplandece;
E a cotovia, a sua linda irmã,
Vai pelo azul um cântico vibrando,
Tão límpido, tão alto, que parece
Que é a estrela no céu que está cantando.

Guerra Junqueiro
[Epígrafe em Vitorino Nemésio, Canto Matinal (1916)]

sábado, 8 de setembro de 2012

ARROZ DE CABIDELA


                                
                                  À prima Migui Vilas-Boas
 
Priminha, graças pelo seu convite
e pela honra de um lugar à mesa.
Nem é preciso fome: o apetite
é despertado pela gentileza.
 
Que dia intenso de calor insano
capaz de tirar tino ao Tolentino!
Atravessei a urbe sem engano
até à Beira. Era um menino
 
arrependido de não ter ficado
aí para um arroz de cabidela.
Mas, tendo ao pé licor tão delicado,
longe da Rosa, que farei sem ela?!
 
Mande um sinal de novo, um só sorriso,
que é muito fácil ir onde é preciso.
 
 
Abel da Cunha
Guimarães, 6 de Setembro de 2012

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MEDITA-CÃO












Um cão esfomeado anda na rua
a farejar uns restos pra viver.
"Todo o cão é mortal - verdade crua -
E eu sou um cão, o Nero, e vou morrer.

Ah, quem me dera um naco de pão duro,
uma salsicha, um salpicão com ranço,
um osso já esburgado de um monturo,
para chegar de pé ao fatal lanço."

Nas suas patas mal sustenta o corpo
aquele cão vadio e quase morto
que dia a dia espreito da janela.

Mas se eu sair à rua que farei
de mais contrário? Só farejarei
odor de flores e uma triste estrela.


Abel da Cunha

sábado, 1 de setembro de 2012

NISE







Rene Magritte
La grande famille




                        À Maria Inês

Caem as folhas como as aves caem
Nas rimas do bom mestre Sá Miranda;
Cai o silêncio para que outros falem
Nas pedras regeladas da varanda.

O sol da tarde cai no azul dos olhos
Gastos de olhar o verde da montanha;
Nasce outro sol maior com mais abrolhos
Por onde o mundo escuro flores tenha.

Ah, que mover tão meigo tem a vida
Nas frágeis asas agitando o ninho
Até voar a carne endurecida!

Não há fingidas sombras no carinho
Nem no balbuciar da voz flectida
Nem no requebro virgem do caminho.

Abel da Cunha
Setembro 1, 2012



MARCAR O TEMPO

Vieste marcar o tempo
com estrias da alegria.

Nascendo
vieste pedir que a vida

a ti chame Inês.

José Alberto de Oliveira
Setembro 1, 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A UMA FITEIRA













Cordyline australi


Se pudesse amainava a ventania
que rasga as folhas largas da fiteira.
Plantada junto ao muro resistia
   sem se vergar ao tempo altaneira.

   Árvore mãe de todos os cansaços!
   No tronco aberto, velho e carcomido,
   guarda alviões, sacholas e engaços,
   e utensílios que não têm servido.

   Não morrerá talvez. Já tem rebentos
   ao derredor com fitas renascidas.
   Crianças dançam nos seus dias lentos
   e brincam com a água destemidas.

   Ao sol do meio-dia voam pombas
   pousando sobre a terra leves sombras.


   Abel da Cunha

quarta-feira, 25 de julho de 2012

SONETO DA MUSA - I









Pedro Lyra
Fortaleza (Brasil) - 1945


Poeta
          minha cria
                             meu amante
meu deus
                  minha criança
                                          meu capricho
como estás enganado.
                                    Eu sou a Musa:
não tenho e não preciso de poder
(excepto aquele que me destinaste
de te encantar em vez de te oprimir).

Sou a motivação
                             a liberdade
a fonte da beleza
                             isto é
                                        da vida.

Te dou a poesia: que mais falta?

Se fosse necessário
                               inventaria
mas ela é a razão do teu nascer
o bastante a cumprir a tua missão.

Ela que dê-te o mais:
                                   agora segue.

Em troca só te cobro o teu amor.


Pedro Lyra
in Musa Lusa

segunda-feira, 23 de julho de 2012

NO CABO CARVOEIRO






A Nau dos Corvos
no Cabo Carvoeiro




Em frente via o grande mar salgado
e nas marés a força do destino;
a vara que trazia do caminho
não florescia mais naquele Cabo.

O mar não foi aberto nem fechado
ao estender o braço peregrino;
abandonado e sem sinal divino
pousei no chão inerte o meu cajado.

De pés e mãos cravado num rochedo
ou numa cruz de pedra enegrecida,
que barco levaria longe o medo ?

E as ondas agitadas, numerosas,
batendo na aventura ali perdida,
lançavam pelo ar espuma e rosas.


Abel da Cunha

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O SEMEADOR











"O Semeador"
Jean-François MILLET (1814-1875)


Palavras são sementes de grão puro
a semear no campo de um poema;
quer seja em boa terra ou num chão duro,
quer entre pedras bravas, vale a pena.

Deixa que o tempo tenha o seu pousio,
inconsciente e fundo e insensível;
no caos da inspiração tudo é tardio
a responder à senha do invisível.

Rompe a semente a terra e faz-se erva
que se levanta ao céu em caule forte
e com flores de promessa o tempo alegra.

No fim virá o fruto e as mãos da sorte
o guardarão de toda a fome avara
até que alguém o colha ou venha a morte.


Abel da Cunha

terça-feira, 17 de julho de 2012

CENA INFANTIL










 Juan Miró (1893-1983)


                       Para o André

Estendido na toalha, o peito
a cheirar a talco e alfazema,
lavadinho como num poema
de palavras inda sem conceito,

alargando os braços, num trejeito
infantil sobre a cama pequena
(a manhã iluminava a cena),
disse à mãe, sorrindo satisfeito:

- Morri, põe-me na parede agora
como está Jesus ali diante.
Respondeu-lhe a mãe, em seu juizo:

- Não te posso segurar, meu filho,
cairias logo num instante.
- Podes, podes, põe-me fita-cola.

Abel da Cunha

quinta-feira, 12 de julho de 2012

À CIÊNCIA






Edgar Allan Poe
(Boston 1809-Baltimore 1849)


Ciência, ó filha do Tempo Velho!
Que, de olhos coruscantes, tudo espreitas,
Porque rasgas ao poeta o amplo peito,
Abutre de asa rude que se engelha?

Como te pode amar, crer-te avisada,
Que o não deixaste andar, errante, ao vento,
Buscando as jóias que há no firmamento
Ainda que o singrasse de asa ousada?

Diana escorraçaste da quadriga,
Do bosque a Hamadríade (fugindo
Ela a abrigar-se em estrela mais amiga),

À Náiade tiraste a onda cava,
Ao elfo o prado, e a mim o tamarindo
Em cuja sombra eu no Verão sonhava.

EDGAR ALLAN POE
in The Raven and Other Poems
Tradução: Margarida Vale de Gato

terça-feira, 10 de julho de 2012

A VELHA OLIVEIRA







Nuno Dempster
(n. 1944)


Que te não angustie a oliveira anciã
já quase apenas tronco, quase
um espigão de escarpa fóssil.
Está ali no vale para ainda
podermos vê-la, olhando-a,
calculando-lhe a idade em séculos,
e pensarmos em quantos como nós
por ela já passaram e se foram
e nas mãos que de início a seguravam,
enraizando à terra a eternidade.

Nuno Dempster
in Elegias de Cronos



ODA A LA TRISTEZA






Pablo NERUDA
(1904 - 1973)





TRISTEZA, escarabajo
de siete patas rotas,
huevo de telaraña,
rata descalabrada,
esqueleto de perra:
Aquí no entras.
No pasas.
Ándate.
Vuelve
al sur con tu paraguas,
vuelve
al norte con tu dientes de culebra.
Aquí vive un poeta.
La tristeza no puede
entrar por estas puertas.
Por las ventanas
entra el aire del mundo,
las rojas rosas nuevas,
las banderas bordadas
del pueblo y sus victorias.
No puedes.
Aquí no entras.
Sacude
tus alas de murciélago,
yo pisaré las plumas
que caen de tu manto,
yo barreré los trozos
de tu cadáver hacia
las cuatro puntas del viento,
yo te torceré el cuello,
te coseré los ojos,
cortaré tu mortaja
y enterraré, tristeza, tus huesos roedores
bajo la primavera de un manzano.

Pablo Neruda
in Odas elementales

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A FRANÇOIS VILLON







François Villon (~1431-1463~)
Pisanello (1395-1455)
Fresco da Igreja de Santa Anastácia
em Verona


A quantos vivos deixarei as rosas
colhidas pelos becos de Paris
em velhas aventuras amorosas?
Já fui quase enforcado por um triz.

Toadas tristes. No agitar dos ramos
dançavam cidadãos em carne e osso
danados de prelados e tiranos.
Assim os contemplava pesaroso.

Às coisas inda virgens consagradas
mostrei caminhos invoquei sentidos.
Palavras bibelots de tempos idos!

Rimei dois testamentos fiz baladas.
Cingi ao meu pescoço um laço lírico
mas só quando do mundo quis partir.

Abel da Cunha

sábado, 7 de julho de 2012

NESTE LEITO DE AUSÊNCIA









Ferreira Gullar (1930-)
Prémio Camões 2010


Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce em mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho - o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.


Ferreira Gullar
Sete poemas portugueses

VERSO LIVRE









Giorgio de Chirico
Incerteza do Poeta


Já não se escrevem rimas consoantes
e os metros não encontram que medir;
os cânones que eram dominantes
ficaram em volumes por abrir.

O verso é livre. Não se escande a vida
em longa ou breve. No virar do verso
ouvir o som do outro numa sílaba
não é do estilo. Tudo é diverso.

O ovo de Colombo deu um tombo
e alguém o foi de pronto levantar
abrindo a boca todos num assombro.

Mas tu, poeta, não irás parar
que a moda passa como passa a sombra
e outras modas podem esperar.


Abel da Cunha

quinta-feira, 5 de julho de 2012

AO LEITOR









Giorgio Vasary (1544)
Retrato de Seis Poetas Toscanos


É tua a Soledade e Outros Poemas
que a vida foi trazendo à fantasia;
com eles esqueci as minhas penas,
que possam eles dar-te as alegrias.

A forma e a substância são pequenas
questões que as letras dão à teoria.
Só a verdade conta. O resto apenas
é cinza literária sem valia.

Motivos simples cabem num Soneto.
Tragédias e Comédias não prometo
nem Épicas tormentas de mar alto.

Pintei a Natureza e o Sentimento
como os poetas do Renascimento.
Que seja parecido o meu retrato.


Abel da Cunha

terça-feira, 26 de junho de 2012

A RAÚL BRANDÃO




RAÚL BRANDÃO (1867-1930)
Pintura de Columbano

"Compreendi que a ternura
é o melhor da vida.
O resto não vale nada."
in O Silêncio e o Lume



Persiste na memória a sombra clara
de um vulto antigo bem familiar
a remoer um sonho uma palavra
que transformava em arte ao pé do lar.

Ia do Alto à Beira num instante
pelos atalhos que encurtavam passos.
Abria-se o portal e o bom gigante
alçava a 'pequenina' nos seus braços.

Não te encontrei. De minha mãe ouvi
que sempre transbordavas de ternura
como a água do mar na Cantareira.

Depois mais tarde lendo percebi
no silêncio e no lume da escritura
que um génio errante andou por Nespereira.

Abel da Cunha
Casa da Beira, Junho de 2012